terça-feira, 26 de agosto de 2008

Arte de rua


Eles estão ali, em frente ao nosso nariz, todos os dias. Perambulando pelas ruas, feiras, e locais de grande circulação de pessoas, mostrando sua arte. É só dar uma volta pela cidade e observar. Não há um público específico, nem ingressos à venda. O valor do trabalho depende exclusivamente do que cada espectador julga valer. Longe de serem tratados como os artistas que aparecem na mídia, eles vivem no anonimato e muitas vezes não têm o reconhecimento que merecem.
Frederico Garcia (27) é um desses personagens das ruas de Brasília. Ele nasceu em Honduras, morou em vários países e está a cerca de seis meses na capital. Seu local de trabalho, o sinal ao lado ao Edifício Rádio Center. Lá, Frederico mostra toda sua habilidade na arte de malabares, arriscando-se com o fogo. Ele afirma que muitos motoristas têm receio de abaixar o vidro do carro para colaborar, pois o confundem com ladrões. Mas ele não reclama: “Muitos nos dão parabéns, e as crianças, principalmente, ficam fascinadas. Isso é muito gratificante”.
Passeando pela feira da torre, podemos encontrar Alan kardec, que faz esculturas de madeira e de ferro. Alan aprendeu o trabalho com o pai, aos oito anos. O artesão se preocupa com o meio ambiente, por isso, todo seu material é reciclado. O ferro é recolhido de oficinas e a madeira é de sobras. Segundo ele, falta incentivo do governo: “O artista plástico fica mais excluído da cultura”. Para Alan, deveria haver mais visibilidade para os artesões da feira, um dos maiores pontos turísticos da cidade.
Bem perto de Alan, Lêda Abadia (62) pinta suas telas. Segundo a artista, a arte deveria ser mais valorizada, pois a maior parte dos compradores das obras são estrangeiros. Já Roger Baes (43), que domina as técnicas do perígrafo e do entalhe, lapida a madeira que enfeitará as portas e paredes de casas, com mensagens em três dimensões. Ele adora seu trabalho. “Quando eu era moleque, meus pais, para me fazerem parar de chorar, me davam papel e lápis para desenhar”. No entanto, ele desabafa: “O governo parece querer que a feira se pareça com uma favela, para ter uma desculpa para, mais tarde, tirar-nos daqui”.
Mais um giro pela cidade, um som atrai a curiosidade de quem passa pela rodoviária. É Seu Enock de Almeida Lima, com seu reco-reco. Aos 60 anos, 51 vividos em Brasília, o simpático cidadão compõe sambas que falam de amor e de admiração pela capital. E não para por aí. Ele também toca surdo, cuíca, pandeiro e tan-tan. Assim, atrai clientes para engraxar sapatos, além de ganhar fãs. E se define no próprio samba: “Enock andou com o samba, e o samba para si tomou, eu quero andar com o samba, igual ao Enock andou”.
Frederico, Alan, Leda, Roger e Enock são alguns, dentre tantos outros personagens brasileiros, que têm o dom de contornar as dificuldades e se dedicar a algo que realmente lhes faça feliz.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Na fila do sonho

O sonho de se tornar uma modelo permeia a mente da maioria das meninas. Você, caro leitor, já deve ter visto a cena de alguma garotinha vestindo as roupas da mãe e brincando de desfilar pela casa, ou fazendo poses, caras e bocas em frente a uma máquina fotográfica. As bonecas “barbies” também são um dos brinquedos preferidos na infância de qualquer menina.
Não é para menos. O mundo da moda é cheio de glamour, fama, dinheiro, badalações e gente bonita. Sempre que há alguma seleção para modelos, pode apostar que há uma fila imensa de candidatas. O Brasil é um país que foi colonizado por emigrantes de várias partes do mundo. Por toda essa miscigenação, ele é celeiro de muitas mulheres bonitas, de belezas exóticas.
Nessa entrevista, o scouting Dilson Stein, que foi quem descobriu e lapidou o talento para as passarelas da top Gisele Bündchen e mais 2500 modelos, fala um pouco sobre esse mundo, e o que se deve saber para chegar lá. A seleção em Brasília vai até domingo, então, se você tem esse sonho, corra para lá, e Boa Sorte!



- Como o senhor foi descoberto como modelo?

Eu me descobri. A minha história começou em 1980. Eu sou de uma cidade muito pequena do Rio Grande do Sul que se chama Horizontina, que hoje é famosa por ser a terra da Gisele Bündchen, e eu sou um dos conterrâneos dela. Com 15 anos de idade, eu era bancário, e um dia fui assistir um desfile e me impressionei com a elegância, a postura, os modelos sendo aplaudidos e ganhando dinheiro para isso. Então, comecei a pensar no assunto e a ler a respeito. O acesso a informação na época era bem mais difícil, e aquilo foi se tornando um sonho.

- E quando realmente o sonho começou a virar realidade?

Aos 18 anos, tomei a decisão de sair da minha cidade, pois lá não havia oportunidades, como curso ou um caça-talentos que fosse até lá, por exemplo. Mudei-me para Porto Alegre, carregando na bagagem o sonho de ser modelo. Comecei a fazer cursos, inclusive de teatro, e com 20 anos comecei a atuar como modelo. Atuei durante dois anos, em Porto Alegre e São Paulo, e em 1987, em visita à minha mãe na minha terra, conheci vários meninos e meninas que tinham o mesmo sonho e recebi a proposta de dar um curso de modelos. Ali comecei uma nova história, que está completando 21 anos, como scouter.

- Rio Grande do Sul continua sendo o celeiro de mulheres bonitas do país?

Ainda é. O estado é responsável por 50% do mercado de modelos, de cada dez, cinco saem de lá. E eu sou responsável por uma boa parte delas. Já faz 19 anos que eu praticamente só atuei lá. Mas eu quero mudar esses números, estou agora em vários estados do país, em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santos, Goiás, Brasília. Acho que o Brasil inteiro tem um potencial de meninas e meninos com talento, só falta oportunidade.

- Dia 14 começa a seleção em Brasília. Estando aqui, já deu para observar e ter uma expectativa se daqui poderão sair grandes modelos?

Pelo que observei andando pelas ruas e pelos shoppings, Brasília tem muita gente bonita, e a expectativa é de descobrir alguns talentos, tanto na área comercial quanto na fashion. Estamos a procura de modelos comerciais, que são aquelas que a altura não é tão importante, pois vão trabalhar mais com anúncios publicitários e televisão. Modelos Fashion, para passarela e campanhas de moda, que deve ser alta e magra e também atrizes e atores. Tenho contatos com diretores de televisão e teatro.

- O senhor é muito vaidoso?

Eu gosto de me vestir bem, de estar sempre bem arrumado. Sou vaidoso, sim.

- Qual o critério para a escolha das meninas?

O critério da seleção inicial, que é o que vai ocorrer aqui em Brasília, é pelo visual e o conjunto de uma série de coisas e fotogenia. Tiramos uma foto de cada um. Para fazer sucesso como modelo, precisa ter talento e atitude. Nessa área, o talento é fotografar bem, principalmente, andar bem e interpretar. E atitude é ter personalidade, disciplina profissional, determinação, e ter um objetivo. Gosto de definir assim: talento e atitude.

- O que é observado?

Nós olhamos os traços, altura, peso, desenvoltura e a fotogenia, que conta muito. Também é importante dizer que, às vezes as pessoas desistem porque estão com uma espinha, por exemplo, naquele dia, ou com uma gordurinha a mais. Mas elas não precisam se preocupar com isso, pois nós temos uma noção de como a pessoa pode ficar depois.

- O que faz uma modelo se destacar e ganhar grande projeção, como Gisele Bündchen?

Quanto à Gisele, o grande fator dela se destacar e ser a modelo de maior projeção e sucesso de todos os tempos, e na minha opinião, dificilmente vai surgir uma outra Gisele. Para mim, ela representa no mundo da moda, o que o Pelé representa para o futebol. O que a fez chegar lá, além do grande talento e beleza, o profissionalismo e a atitude. Para uma modelo brasileira chegar ao topo e estar se mantendo lá por nove anos, é algo muito difícil. Acredito que no Brasil vão surgir grandes modelos e top models, mas Gisele dificilmente vai surgir outra.

O que o senhor acha do padrão de beleza imposto, isto é, meninas magérrimas?

Não é de muito magras. Toda modelo, quando vai para o mercado, a gente tem que sentir que ela tem saúde. Se não tiver saúde, ela não vai trabalhar, pois ninguém vai querer contratar uma menina com cara de doente. O que existe, são padrões internacionais de medidas, que não são as agências de modelos que colocam, e sim os estilistas, as revistas de moda. Uma modelo pode ter 89 centímetros de quadril, que é o padrão de medida, e ter uma saúde maravilhosa. Eu procuro orientar para que elas tenham que estar no peso, mas com saúde.

- O senhor dá conselhos para que as meninas não sacrifiquem a saúde para estarem magras?
Sempre. Nenhum cliente vai querer contratar uma modelo para divulgação do seu produto, se ela estiver com cara de doente, pois não vai vender. Saúde é fundamental.

- É verdade que algumas modelos chegam a extremos como usar cocaína para manterem-se magras?

Não. Talvez até tenha, mas aí elas não estão seguindo as orientações que nós e as agências damos. Com certeza, uma agência dá a orientação correta, para ela se cuidar, ter uma boa alimentação, e ela pode se alimentar bem. Deve haver um cuidado com as calorias ingeridas, mas tem que se alimentar bem, de três a quatro vezes por dia. Quando alguma modelo faz isso, de consumir drogas ou qualquer outra coisa anormal, é porque está fazendo isso por conta própria.

- Como o senhor percebe o mercado atual da moda no Brasil?

Está em crescimento, com certeza. De uns anos para cá a moda brasileira cresceu muito, fazemos grandes eventos no país. Em quase todos os estados temos grandes eventos de desfiles. A moda valorizou muito, temos grandes estilistas sendo valorizados no mercado internacional. Um dos fatores para que isso ocorresse foi a Gisele Bündchen, que abriu as portas para as modelos brasileiras e para a moda brasileira. O Brasil é um país respeitado no mercado internacional.

- O que acha das mulheres que estão aparecendo agora, como a mulher melancia ou a mulher melão? Você as considera modelos também? Ou modelo obrigatoriamente deve ser magra?

Elas não são modelos de moda, que é bem diferente. Elas estão fora dos padrões, fazem muito sucesso e parabéns para elas, mas não é o nosso foco. Não fazem parte de uma agência de modelos.

- Qual a diferença entre modelo comercial e de passarela?

Modelo comercial é aquela que a altura não é tão importante, já coloquei no mercado meninas de até um metro e sessenta de altura, que vai trabalhar com anúncios publicitários e comerciais de televisão. A beleza é importante e existe também um padrão de medidas, mas que não é tão rigoroso. A modelo fashion é aquela que tem que tem que se manter dentro das medidas de 89 centímetros de quadril ou menos, e vai trabalhar com passarela ou campanhas de moda.

- Atualmente, as mulheres mais “cheinhas” estão na moda. Pode haver uma mudança no padrão e estas tomarem o lugar das magrinhas?

Pode, com certeza. Há exceções, vemos mulheres com um corpão, mais cheinhas, fazendo sucesso, inclusive algumas que eu descobri. Mas na área comercial, não na área fashion. Nesta, dificilmente alguém fora dos padrões vai fazer sucesso.

- Mesmo após alguns escândalos de anorexia?

A anorexia não é algo ligado ao mundo da moda. Isso foi um exagero por parte da mídia. Eu estou a 23 anos nessa área e nunca vi uma modelo anoréxica. É uma doença que está inserida na sociedade. Por exemplo, tenho uma amiga que é psicóloga e cuida de três meninas com anorexia, e nenhuma delas já pensou em ser modelo. É uma doença grave e hoje há um cuidado maior para que nenhuma modelo caia nisso, as agências estão mais de olho e orientando melhor. Mas acho que foi a mídia que colocou o mundo da moda como responsável pela anorexia.

- Não seria por causa de casos de modelos?

Foi uma modelo de 21 anos, que não seguiu a orientação da agência. Há modelos que tomam atitudes, mas não por nossa orientação. Ninguém vai colocar uma pessoa para anunciar o produto, que não tenha uma fisionomia boa.

- Como o senhor lida com o fato de muitas vezes ter que dizer não para uma menina que tem o sonho de ser modelo?

É difícil. Mas eu tenho muito cuidado na forma de falar, ainda mais que trabalho muito com crianças e adolescentes. Eu cuido o que falo, a maneira como coloco as palavras e desenvolvo o trabalho. Minha função é informar, preparar e dar a oportunidade. Não é uma promessa. As pessoas já estão preparadas para receber um sim ou um não, fica mais fácil. Tem vários profissionais que infelizmente trabalham de forma diferente, prometendo o que não pode ser cumprido e criam uma grande frustração para algumas meninas.

- Com que idade o senhor aconselha a menina iniciar a carreira?

Eu seleciono crianças a partir de oito anos, há várias fazendo sucesso nessa idade. Para adultos, o ideal é 14, 15 anos. Apesar que, hoje, o mercado também está excelente para modelos comerciais de 20 a 30 anos. Algo mudou no Brasil de uns tempos para cá, e hoje tem grande mercado para essa faixa etária. Estive em São Paulo essa semana, e estão pedindo modelos de 25 a 30 anos. Para se fazer um comercial de cerveja, por exemplo, deve-se ter no mínimo 25 anos, o que é um pouco absurdo, porque se você tem maioridade com 18, se poderia também ser permitido fazer comercial de cerveja.

- Quando selecionou Gisele Bünchen, o senhor sentiu que ela se tornaria uma top?

Sim. Eu comentei com uma tia dela, no primeiro dia que a vi, que ela poderia ser uma grande modelo, e até a comparei com uma outra grande modelo que coloquei no mercado na época. Isso foi em 1994. No outro dia, a chamei novamente, e disse que ela poderia ser uma das melhores modelos do mundo. As pessoas não acreditaram muito, mas eu acreditei. Ninguém a olhava com esse grande potencial para ser modelo, mas eu tenho esse feeling. Já acertei muito, mas já errei também.

- Quais as etapas da seleção?

Após a seleção a gente faz uma convenção, com palestras com os profissionais mais conceituados do mercado, para falar sobre moda, estética, nutrição, maquiagem. Também temos a presença de diretores de teatro, para fazer uma gravação com todos. Há um grande potencial para descobrir um ator ou atriz, tiramos fotos e há uma avaliação das agências, aonde os rapazes e garotas vão se apresentar em uma entrevista. Participam em torno de 10 a 13 agências, em uma relação de parcerias.

Para onde elas seguem depois?

São duas seletivas. A primeira é feita pelo Marcelo Salem, que é o parceiro de trabalho em Brasília. A outra etapa é a palestra feita por mim, para a modelo e os pais, e uma nova seleção comigo. Os aprovados terão a oportunidade de participar de um evento que será realizado em novembro, aqui em Brasília, onde vou trazer as agências, os diretores de televisão, até aqui.

- É importante esse entrosamento com os pais?

É fundamental para a carreira de qualquer modelo o apoio, estrutura, orientação e acompanhamento da família. A família é o equilíbrio, a base de toda pessoa, não somente na carreira de modelo, mas em qualquer profissão. Eu dou uma importância muito grande a isso.

- Muitas agências cobram o book...

Eu queria deixar claro que não é preciso o book para ser um candidato a modelo, nós não cobramos isso. Depois que a pessoa é agenciada, aí sim ele é a sua ferramenta de trabalho. Mas, para quem é apenas candidato a modelo, ele não é importante. As agências preferem ver fotos digitais caseiras, sem produção nenhuma, para poder avaliar se você tem potencial para ser modelo. Depois sim, se convidado por uma agência, vai ter que investir em um book. As agências de New York para as quais trabalho, nem mesmo recebem as fotos de book.

- Fale sobre o evento em Brasília

Eu gostaria de convidar as pessoas, para irem ao Brasília Shopping, no horário de 10h às 22h, de 14 a 17 de agosto. A inscrição é um quilo de alimento, que será doado para instituições do Distrito Federal. Todas as pessoas que tiverem interesse, de 8 até 30 anos, que compareçam.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

“Eu sou um personagem”

Quem assistiu a um dos shows de Elza Soares, nos dias 6 e 8, no Teatro Nacional, com toda certeza, ficou arrepiado. O público foi do choro às gargalhadas, em um espetáculo de voz, dança, sensualidade e graça. A mulher, que nasceu em uma favela do Rio, carrega a experiência de quem foi mãe aos 12 anos, enfrentou críticas pela paixão que viveu com o craque de futebol Mané Garrincha, que durou 20 anos, foi lavadeira e operária de uma fábrica. Elza deu muitas voltas por cima, ganhou, em 2000, o título de melhor cantora do milênio, pela BBC de Londres.
Durante o show, em Brasília, Elza relembrou o início da carreira, quando, ao se apresentar no programa de Ary Barroso, a platéia começou a rir, assim que ela entrou. O apresentador, que de início não deu muito crédito à cantora, chegou a perguntar o que era aquilo, se era um ET. “Eu pesava uns trinta e poucos quilos, como qualquer criança que você vê na rua, tinha o cabelo alisado pelo que a gente chamava de pente quente, que chegava a deixar marcas na testa e usava maria-chiquinha”, conta a cantora, sempre de bom humor. Mas ela buscou forças, pois precisava do dinheiro do prêmio para sustentar seu filho, que estava doente. Então, no meio da música ela começou a mostrar todo o potencial de sua voz, e Ary Barroso falou que ali nascia uma estrela. Esse foi o início de Elza Soares, a embaixatriz do samba brasileiro.
Após brindar com champanhe, juntamente com a banda, Elza deu início ao espetáculo, cantando “O meu guri”. Apenas ouvia-se sua voz, e a platéia aguardava ansiosamente o momento em que a cantora apareceria. Quando ela surgiu, com um vestido vermelho exuberante, e muito samba no pé. Quando a cantora fez uma dança mais sensual, os fãs mais exaltados, gritaram: “Linda, gostosa”. Mas o êxtase do show aconteceu, quando a cantora afastou o microfone da boca, prendendo-o com as mãos nas costas, e, ainda assim, todo o público do teatro pôde ouvir sua voz, forte, aguda. Foi aplaudida em pé, e agradeceu o público pelo carinho.
A seguir, “beba” um pouco mais de Elza:

Fale um pouco sobre o novo trabalho, Beba-me

O Beba-me é um trabalho que foi feito para que eu relembrasse algumas músicas do passado, que eu já tinha gravado, e a gente fez uma releitura. Eu não queria fazê-lo, porque eu achava que, com tanta coisa nova, vou buscar coisa do passado. Mas, ele foi feito, e, em um momento em que eu não podia dizer não, era um momento em que eu estava doente, mas, que caiu no agrado de todo mundo, porque esse CD já é a terceira edição. Então, acho que valeu a pena fazer, e eu transformo esse trabalho no palco em uma alegria, é o Beba-me mesmo.

Como foi o show do último dia 06 em Brasília?

Cara, não dá nem para falar como foi. Eu sei que foi maravilhoso. As pessoas vêm aqui e saem em estado de êxtase, porque, realmente, ele (o show) é muito gostoso.

Você já sofreu racismo?

Acho que todo mundo. Mulheres sofrem racismo, gays sofrem racismo, o negro sofre racismo. O racismo está aí, na carne de todos, impregnado nas paredes, só que, ele é tão “filho da mãe”, que você não sabe onde encontrá-lo. Ele está espalhado, ele vive aí e é muito sacana, está em toda parte, aonde você chega


r, você vai encontrar o racismo. É contra a mulher, contra o gay, contra o negro, é contra tudo.

Então você acha que é um mito dizer que aqui no Brasil não há racismo?

Eu acho que no Brasil, o racismo existe, e muito mais safado. Porque você não sabe onde está impregnado, eu sei que ele está por aí. Nos Estados Unidos, onde vivi muitos anos também, você sabe onde ele está, aqui não, ele é de uma sutileza vagabunda que você nem calcula, aquela sutileza bem malandra. Ele está aí, existe muito forte, feio, chato, horroroso, canceroso.

E quanto a mulher brasileira, a senhora que morou muito tempo no exterior, como ela é vista lá fora?

Se você me chamar de senhora, como vou entrar pelada no palco? (risos). De p..., a mulher brasileira é vista como a mais vulnerável, a mais dada. Por que eles vêem de lá, a beleza da mulher brasileira, que é inigualável, mas quando ela chega lá, é tida como vadia, como prostituta. Acho que hoje está um pouco melhor, a gente já atingiu um nível bem mais alto. Mas a mulher brasileira não é vista com bons olhos.

Você foi exilada na Itália em 1969. Por quê?

Até eu quero saber por que fui exilada. Disseram para eu sair do Brasil e me deram 24 horas, para que pegasse meus paninhos e me mandasse. Eu fui para a Itália, junto com o Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, em Londres. Minha casa foi metralhada, roubaram tudo o que eu tinha.

Os artistas, em geral, eram muito perseguidos...

É, porque o artista é um perigo. Ele tem uma arma na mão, que ninguém tem, que é o microfone. Então, havia muito medo do artista se manifestar. Quando eu surgi cantando, foi com muita força. E isso, talvez estivesse incomodando, pois qualquer coisa que eu falasse seria ouvida, porque fui a única mulher que chegou aos teatros, fui atriz, fiz quatro anos do curso de direito, meu professor foi Grande Otelo. Então, eles (autoridades do governo militar) tinham muito medo que eu abrisse a boca. Acho que é por isso que me mandaram embora, porque até hoje não encontrei o motivo.

Você pode falar um pouquinho sobre o relacionamento com o Garrincha?

Ai, não (em tom melancólico), deixa ele lá, cara. (Neste momento, escuto, em coro um “não”, em tom melancólico, formado pelos amigos da cantora). Que pecado, ele vai ficar com raiva porque vai falar assim: Mulher, arranja um homem, esquece meu nome, esquece de mim, tem muitos homens por aí. O Mane foi aquele jogador de futebol que ninguém deu tanto valor, falar dele agora eu acho que seria hipocrisia de qualquer pessoa. Vamos falar da Elza, dos trabalhos, do hino que cantei no Pan, falar que ela teve uma diverticulite e estava operada (quando cantou no Pan, em 2007), parecia um João teimoso para entrar no palco. Uma coisa fantástica, porque é uma história, uma vida. Fiquei em Roma por três meses, passei por uma colostomia. Tudo isso eu passei, no palco, cantando, porque acho que se você tem força, garra e coragem, você faz. Mas, se eles me dessem um tempinho para descansar, talvez tivesse sido muito melhor. Eu tive que gravar meu DVD, porque acharam que eu ia morrer, então, por isso eu gravei o DVD assim (recém operada).

Você quase morreu nessa cirurgia...

Quase que eu fico lá, deitadinha. Também nem sabia o que era. O médico dizia que era uma diverti e eu respondia: ai, que coisa boa, Doutor. Porque eu adoro me divertir. Então, ele disse: mas vai ter uma coisa chata no meio, vai ter uma culite. Aí eu disse: Cacilda Becker! culite, agora ficou feio! (Elza brinca, muito bem humorada). Ele disse que eu tinha que operar, aí eu dizia assim: “ai now, ai now, ai now” (cantando), e ele dizia: “yes, yes, yes” (cantando). Quer dizer, foi um divertimento essa diverticulite, porque eu já entrei cantando.

O que você faria se fosse seu último dia?

Se eu soubesse, que seria o último dia, eu ia beijar muita boca, ia dar para muita gente. É o último dia, vale tudo, queria fazer tudo que me for de direito.

O seu trabalho é mais reconhecido no Brasil ou no exterior?

Eu acho que no exterior eu tenho uma porta bem aberta, mas eu sou brasileira, eu quero que ele seja aqui. E está sendo. Hoje tem um público muito jovem, não sei por que, se é por causa das pernas, por causa do corpo, ou porque ela (ela própria) é muito audaciosa no palco. Mas eu tenho uma garotada no público, o que acho maravilhoso. Já fui pedida em casamento no palco, os garotos ficam apaixonados, e eu digo: Eu só quero saber de um dia só, depois eu te mato, você não vai conseguir agüentar comigo (risos). Eu levo tudo na brincadeira, então acho que é por isso também.

O que você está achando da política atual?

Eu acho a política uma coisa muito complicada. Se eu for falar de política, eu não canto. Todos nós somos políticos. Você é política para estudar, para comer, para comprar, é tudo muito político. Então, é uma coisa de difícil alcance, na minha opinião.

Muitos artistas, como Clodovil, Frank Aguiar e Gretchen, se lançaram na política. Com a sua popularidade, você também já pensou em se candidatar?
Eu já. Mas depois eu fiquei com tanto medo, que falei eu não quero isso para mim não. Não quero porque não iam me deixar fazer o que eu quero, ia ter que entrar na panela. Eu sou muito louca, e não iam me deixar ficar nunca.

Você já foi muito assediada quando cantava em boates?

Toda hora, e eu acho isso um prazer terrível. Que venham mais, sinal de que você está viva, que está gostosa. Isso é importante, acho bom.

O público GLS tem um carinho muito grande por você. Já foi assediada por mulheres também?

Também. Eu acho maravilhoso, morro de rir.

Você já cantou, inclusive, na Parada Gay de São Paulo...

Cantei. Eu faço um trabalho muito importante no mundo gay. O gay ainda vive muito fora do texto, é um preconceito terrível que eles têm que atravessar. Então, eu faço esse trabalho, ajudando com remédio, com tudo que for possível de comprar briga por eles. Eu acho uma covardia (o preconceito). Deixa eu te falar uma coisa do mundo gay: toda mulher tem que ter um gay ao lado dela, porque eles são muito mais femininos do que nós. A gente, como já sabe que é mulher mesmo, então nem liga. Mas eles fazem uma coisa, que, a mulher que não tem um gay atrás meu amor, ela fica uma coisa meio pedreiro.

Qual foi a maior gafe que você já cometeu?

Tantas, que você nem calcula. Eu tenho muita tatuagem de rosas no corpo, que são uma representação de Lupicínio Rodrigues, é uma homenagem que faço a ele. Quando comecei a cantar, em uma boate que se chamava Texas Bar, tinha um senhor sentado, com umas rosas belíssimas. Eu fiquei com medo daquele homem me olhando, com um sorriso maroto. Ao ver que eu fiquei muito sisuda, ele se levantou, chegou perto de mim e disse assim: “Entrego essas rosas, para outra rosa”. Eu disse: O senhor se engana, não me chamo Rosa, detesto rosa. Ele me respondeu: Então eu vou lhe dizer uma coisa, você está cantando a minha música, você é Elza Soares e eu sou Lupicínio Rodrigues. Eu falei: Seu Lupicínio, porque o senhor não disse antes, meu Deus do céu!
Outra gafe foi com a Sylvia Telles. Eu estava cantando e ela passou dançando e ficou parada dançando na minha cara. Eu pensei: de homem eu corro, mas mulher, me olhando desse jeito? E eu era pura, inocente, não tinha nada a ver. A mulher me olhava torto, e comecei a achar que tinha algo de errado em mim. Aí ela me disse: “Meu amor, quando você terminar de cantar, você pode dar uma chegadinha e sentar-se conosco na mesa, por favor?”. Eu respondi: Olha, a senhora está enganada. Eu fui contratada para vir para cantar, não para sentar nesse formigueiro, nem conheço, e a senhora fica dançando e olhando para a minha cara, o que a senhora viu em mim? Ela ficou vermelha, e falou: Você não me conhece? E eu: Não senhora. Então, ela: Meu amor, eu sou a Sylvinha Telles. Dona Sylvinha! Porque a senhora não falou antes? E ela me disse Meu Deus, você parece uma leoa! Senta ali com a gente que eu trouxe o presidente de uma gravadora, que vai querer te contratar.

Quase perdeu um contrato...

Quase (Risos). Eu falei: Dona Silvinha, pode deixar que eu irei, com o maior prazer.

Sobre a queda do palco?

Caí de uma queda de três metros, no Metropolitan, no Rio. Colocaram uma luz bem grande, caí e fraturei três vértebras e fiquei um bom tempinho em uma cadeira de rodas e muito temo rolando de dor na coluna, e para os médicos não teria cura, ficaria em uma cadeira de rodas.

E o trabalho Brasil brasileiro?

É uma coisa maravilhosa, um show lotado. Foi um argentino quem montou esse show, e a gente viajou o mundo, até para Arábia Saudita. Para o Brasil não foi possível vir porque aqui não tivemos patrocínio, o que achei uma vergonha, o Brasil brasileiro, que é Elza Soares e Jair Rodrigues, Arlete Costa. O espetáculo ia ser belíssimo.

No exterior ele teve grande repercussão?

Sucesso absoluto, extrondoso. O show mostra todas as danças típicas do Brasil, o princípio da dança, que é o xote, o maxixe. A sensualidade da mulher brasileira é uma coisa muito bonita, mas para o Brasil não veio.

Atualmente, podemos perceber um embranquecimento do negro. As mulheres estão alisando, pintando o cabelo de loiro. O que você acha disso?

Eu acho sensacional, você tem direito a fazer tudo. Se as negras não pudessem alisar o cabelo, as brancas não poderiam ir à praia para se queimar, ficar coradinhas. Então, porque tem preconceito das queimadinhas, mas quando querem queimar o bumbum, ficam deitadas naquele sol quente, queimando? Vai lá, alise seu cabelo, fique nua. De repente, você pode ser a capa de uma grande revista, uma negra bonita, maravilhosa. Você não vê uma negra na capa de uma For Man, por exemplo.

Você não acha que isso está mudando um pouco, na televisão, por exemplo?

Cadê? Na televisão você encontra um, dois. Isso, para não ficar tão vergonhoso. Mas, nas propagandas, você não vê ninguém. E esse país é um país de mistura, de negros, índios, africanos, alemães, portugueses. É uma raça, que a gente é toda mistura. Mas estou com vontade de me casar com um alemão agora, sabe?

Você está de aniversário esse mês. Vai fazer uma festa?

Sei lá. Não, acho isso uma tolice (festa de aniversário). To fazendo festa quando to diminuindo um ano de vida? Todo dia é aniversário. Eu faço aniversário de dia, de noite, porque eu tenho 24 horas de vida, sempre.

Como é se ver nas telas do cinema?

São tantas vezes, já não sei mais dizer o que é. Acho que ver o fazer um bom papel, é maravilhoso. É importante, quando você vai lá, e faz o seu belo papel. Eu sei que sou um personagem. E cuido bem dele. No dia em que acabar a Elza Soares, a Conceição vai ter que andar por aí e ninguém vai olhar para ela não. Vão dizer que quando era Elza Soares era melhor, a Conceição é muito chata. Quando batem palma e dizem “ai, que lindo”, eu digo que não sou eu, é a Elza Soares. Pois, quando eu carregava lata d’água na cabeça, usava meus tamanquinhos, andava na lama, ninguém batia palma, quando entrava no trem, empurravam por uma porta e eu saía pela outra. Então, eu digo para Elza Soares: Te amo, se eu pudesse eu casava comigo, que a Elza é muito doce, ela é maravilhosa. É ela quem me dá esse prazer de viver com você.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

“O amor a minha querida UnB eu quero declarar. Eu ajudei a construir a universidade”.

Líder de movimentos estudantis da UnB na década de 60, José Prates fala sobre sua atuação na Feub e o pensamento dos jovens da época

Por ser a capital do país, centro da tomada de decisões e de manifestações artísticas, culturais e políticas, Brasília é o cenário perfeito de intelectuais. Por isso, vários deles migraram para a cidade na década de 60, após a construção da Universidade de Brasília (UnB), que representava um modelo avançado de organização universitária para a época.
Porém, durante a Ditadura Militar, instalou-se na universidade um modelo imposto pelos militares no poder, que substitui muitos professores por pessoas não qualificadas para ministrar aulas. Esse fato motivou, inicialmente, o protesto de movimentos estudantis que, logo após, perceberam que o que estava ocorrendo era algo muito mais grave, de proporção nacional. Era o golpe militar de 1964.
Nesse contexto, surgiram alguns heróis, líderes de movimentos estudantis que defendiam uma causa, e, se fosse preciso, morreriam por ela. Um exemplo desses jovens da época que fizeram história é José Antônio Prates. O atual prefeito do município de Salinas (MG), preso por duas vezes durante o regime militar e por várias vezes torturado, foi líder de movimentos estudantis na UnB, integrante da Organização Política Operária (Polop) e presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB). Em uma visita à Brasília, José Prates recebeu, com muita simpatia, essa estudante que vos escreve, para uma entrevista.

O que era a Polop?
A Polop era uma organização de vanguarda, baseada na tese de Rosa Luxemburgo. Isto é, teses marxistas-leninistas.

Onde os estudantes se reuniam?
Nos reuníamos livremente em sala de aula, depois do horário letivo, ou na sala de professores que eram simpatizantes ou militantes das correntes. Após o Ato Institucional n º 5, a comunicação era feita através de aparelhos clandestinos.

Como surgiram os movimentos estudantis da UnB?
Em um primeiro momento, os movimentos surgiram para defender a universidade, que para nós era um modelo revolucionário. Como estava sendo implantado o modelo da ditadura, muitos professores foram substituídos por professores que não exerciam a profissão, ou que nem eram professores de verdade. Eram burocratas ou empregados de ministérios, alguns relacionados aos militares da época. Com isso, a qualidade do ensino caiu nitidamente.
No curso dos acontecimentos, as pessoas foram tomando consciência de que tinha uma coisa muito mais grave acontecendo com o Brasil todo. Aí éramos recrutados e procurávamos as lideranças das universidades, quase todas agregadas em partidos políticos, até para sobreviver politicamente. A partir disso, se formou um movimento mais amplo contra a ditadura e pela redemocratização do país. O engajamento de muitos nós em correntes políticas, quase todos com afinidade pela tese marxista-leninista com suas variações independentes.

Quem foram os heróis da época?
O movimento estudantil como um todo, e o povo. Mas tivemos os mártires. Entre eles, Paulo de Tarso Celestino e Honestino Guimarães, que, embora não tenham morrido, sofreram na prisão e no exílio. Dois grandes amigos, companheiros de luta. Embora tivéssemos divergências, pois haviam várias organizações que competiam pelo controle do movimento de massa, na hora do enfrentamento da Ditadura, nos uníamos. Paulo de Tarso foi um grande dirigente de massas, pelo partido comunista brasileiro. Honestino era da ação popular e, mais tarde, de uma organização afirmativa-leninista. Eles formaram uma corrente muito significativa.

Conte um pouco sobre o movimento “Queremos formação e não formatura”
Foi o maior movimento que teve dentro da UnB, onde liderei o fechamento do Instituto de Ciências e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Era um protesto contra o modelo que havia sido implantado, que era o da ditadura, com seus professores. Claro que a gente aumentava um pouco também, a realidade era construída tanto da verdade quanto da nossa imaginação. Queríamos a saída de todos os professores, e que os substitutos fossem escolhidos por nós. A ex miss Brasil da época, Marta Vasconcellos, representou-me no Encontro Nacional da faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Eneau), pois eu me encontrava preso. Eu era o presidente, a Marta Vasconcellos era uma das delegadas ao encontro,ela também fazia arquitetura na UnB. Aliás, a Marta era a parte romântica da história. Dona de uma beleza estonteante e muito simples, desfilava em seu jeep, deixando todos os homens admirados. Quando a polícia invadiu a universidade, ela chorou muito. Até aquele momento o Brasil sofria uma repressão tolerável do ponto de vista físico, não era aquela repressão cruel, que foi a partir do AI-5.

Porque a Faculdade de arquitetura foi a mais perseguida?
Porque eles entendiam que ali estava o núcleo mais forte da resistência, os órgãos de segurança e de inteligência da repressão. Havia um grande movimento de massa, o que tornava o confronto muito maior do que se fosse apenas contra o movimento clandestino de lideranças que controlavam os aparelhos.

Fale um pouco da experiência da prisão.
A tortura é um instrumento de desfazimento psicológico, para obrigar a pessoa a falar coisas que fez ou que não fez, entregar nomes, planos, lugares. Em geral a gente não entregava. Quando a Dilma Roussef respondeu ao Agripino que diante da tortura não há verdade, ela expressou o sentimento de todos nós naquela época. O mais importante que a gente tinha que fazer era resistir o máximo possível para salvar a vida dos companheiros.
Buscava encontrar alguma coisa para fazer na prisão, para não enlouquecer. Até mesmo brincar de adivinhar o sexo do mosquito que passava. Quando era submetido a tortura corporal, imaginava que aquilo não destrói o mais importante: sua essência, sua alma, sua causa.

O senhor viu algum companheiro ser assassinado?
Não. Vi muitos sumirem. Mesmo depois de terminado o processo investigativo, os militares ainda torturavam. Em Juiz de Fora havia o que se chamava de Festa, a última sessão de pancadaria. Um militar dava um tapa no rosto, outro chutava, fazia xixi na pessoa. Mas não posso dizer que só houve isso dentro da prisão, houve momentos em que fui bem tratado. Um professor aposentado da UnB, que é deputado federal hoje, foi tomar meu depoimento sobre o artigo 477, que perseguia as lideranças. Só faltava o meu depoimento e respondi que o meu iria ficar faltando. Quando ele saiu, o coronel do quartel em que eu estava preso me disse que não concordava com o que nós (militantes contra a ditadura) fazíamos, mas que admirava minha coragem e não concordava com um professor fazer aquele papel, que deveria ser apenas da polícia. O professor cometeu um papel de policialismo que não é digno de uma pessoa universitária.

Algum militar que tentou apoiar a causa?
A corrente do general Albuquerque Lima, que foi quem criou o Integrar para não entregar, um dos animadores do projeto Rondon, tinha seus aliados. Muitas vezes recebi a visita de um capitão, que confessava não ser comunista, mas naquele momento toparia uma aliança de forças que eram nacionalistas, democráticas ou anti-imperialistas. Isso houve muito. Mas, não sei por preconceito, autenticidade ou pureza, nunca aceitamos. Embora pudesse ser correto.

Quais lembranças o senhor tem sobre a passeata na avenida W3 após a morte de Edson Luís?
Eu ajudei a fazer a passeata. Foi muito bonita e deu-se até o cinema da Asa Sul. As únicas pessoas que falaram foi Mário Covas, que era deputado, Honestino e eu. Durante o protesto, soltei: Vocês são fortes, tem armas. Mas se são tão fortes, porque não abrem as urnas? Fui muito criticado por isso. As pessoas falavam que não era período de eleições, que o protesto era para derrubar a ditadura. Mas eu tinha uma maneira própria de pensar, e coloquei que seria importante abrir as urnas, porque todo espaço que desse para a gente reconquistar a redemocratização, tinha que ser ampliado e apoiado.
Quando foi decretado o AI-5 estávamos fazendo campanha pelo boicote ao vestibular. Conseguimos fazê-lo durante 14 dias. Os estudantes não faziam as inscrições.

Como o senhor avalia a imprensa local da época?
A imprensa era extremamente censurada, mas toda brecha que tinha, era dado como certo que haveria notícia. Mas aí a repressão fechava por um tempo o jornal, prendia os jornalistas. Ari Cunha é um jornalista que defendeu a liberdade democrática. Quando o embaixador americano foi visitar a universidade, estendi uma faixa: Ianc, fora do Vietnã. Essa atitude fez recandescer o movimento estudantil, que estava meio morno. Nesse dia, levaram mais de 300 pessoas presas. Um jornalista da TV Brasília filmou e exibiu, com autorização de Ari Cunha. Além disso, ele escreveu em sua coluna um protesto contra a brutalidade, e pressionou para a nossa saída da prisão. Mas aquilo foi antes do AI-5, dois anos depois aquilo seria absolutamente improvável.

O professor Roman Blanc era considerado um espião. O que o senhor tem a dizer?
Dizem que sim. A gente deu um prazo para ele ir embora, e, finalizado, o tiramos de lá.
Várias vezes dávamos prazos para a pessoa ir embora. Às vezes éramos injustos, pois na época era muito difícil distinguir.
A juventude tem nas mãos a bandeira da libertação, mas não pode astiá-la sozinha. Temos nas mãos um ideal, uma causa, e não uma arma. No meu período de exílio vi muita injustiça praticada entre os jovens. Grande parte porque a gente não soube cuidar, se expôs muito cedo.

A ocupação da UnB em abril desse ano relembrou os “anos de ouro”?
Cada época tem sua identidade. Estou solidário com as lutas da juventude, mesmo quando eles erram. Quem é que não erra? Se os estudantes ocuparam a sede da UnB, posso fazer restrições a um constrangimento ao ser humano, mas quanto a legitimidade da necessidade daquele ato não vou contestar. O importante é que hoje levantemos a bandeira da democracia, para que ela exista verdadeiramente no Brasil. Para que ela abra espaço para uma pluralidade de opiniões, e que a vida prevaleça. Como nós estamos em um regime democrático imperfeito, que essa liberdade não possa ser confundida com propriedade, por exemplo, de um meio de comunicação, para constranger sem a possibilidade de defesa. Quando você é torturado e humilhado, é uma covardia muito grande. Mas a mesma covardia é de um meio de comunicação, que ataca uma pessoa ou fala uma coisa que ela não cometeu, e não dá a oportunidade dela explicar. Vira um linchamento, e isso é inaceitável. Como não podemos aceitar que pessoas se filiem à determinada organização, não podemos aceitar que os donos dos jornais imponham sua opinião aos jornalistas. Agora temos que ampliar e fortalecer o espaço democrático.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

1968: O ano que não acabou?

O ano de 1968 foi marcado por uma insatisfação coletiva mundial, principalmente na área política, que resultou em uma revolução na cultura, nas artes e no comportamento. As pessoas sentiram necessidade de protestar contra os acontecimentos que se arrastavam ao longo da década e reconstruir o cenário, com novas ideologias. Assim, 1968 se transformou no ano dos heróis.
A visibilidade na imprensa que ganhou a guerra injusta dos Estados Unidos contra o Vietnã, que mostrava o exército esmagador americano matando a sangue frio milhões de vietnamitas, entre eles mulheres e crianças, fez com que os americanos se revoltassem contra o governo, a ponto de jovens em idade de se alistar para o serviço militar fugissem. Isso fez com que outras pessoas, revoltadas por acontecimentos isolados que ocorriam no mundo, se espelhassem nesse acontecimento e saíssem às ruas para dar voz ao seu pensamento.
No Brasil, após o golpe de Estado que tirou João Goulart do poder, se implantou a Ditadura Militar e com ela a censura à imprensa, a perseguição àqueles que eram contrários ao governo e até a morte, os exílios políticos e o fechamento de jornais. Em 1968, com o assassinato do estudante Edson Luís, foi a gota d’àgua. O crime chocou os lares de todo o país, que saíram em passeata, que ficou conhecida como a Passeata dos 100 mil.
A insatisfação política global fez com que, principalmente os jovens e estudantes da época, se voltassem contra qualquer figura que representasse autoridade. Afamou-se a frase “É proibido proibir”. Surgiram então, correntes políticas como o anarquismo, que contestava qualquer forma de Estado.
A revolução também fez-se sentir no comportamento, como exemplo disso, o movimento “hippie”. Eles tinham sua própria filosofia, que era de uma vida desligada do materialismo imposto pelo sistema e seu slogan era: Sexo, drogas e rock n’roll. Usavam roupas largas, não tomavam banho freqüentemente, tinham cabelos compridos e os homens barba grande. Eram desprovidos de pudor em relação a sexo e possuíam o necessário para sua sobrevivência. Muitos desses jovens eram originários da classe média.
O invento da pílula anticoncepcional em uma época em que a Aids ainda não era conhecida, resultou em uma revolução sexual. Sem o peso de saber que uma relação sexual acarretaria em uma gravidez, houve uma liberação sexual. Sem a obrigação das mulheres de se tornarem donas-de-casa e mães, elas passaram a querer ocupar espaços que eram tipicamente masculinos. Manifestações feministas a favor de um tratamento igualitário entre homens e mulheres tomaram conta do cenário. Por exemplo, a queima de sutiãs em praça pública por milhares de mulheres em Atlantic City. Atos como esse trouxeram várias conquistas, como leis que protegem a mulher. Tão marcante foi, que virou data comemorativa.
Além dessas mudanças, não poderia faltar a ocorrida na cultura. Movimentos como o Tropicalismo, liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, deixaram sua marca na história brasileira. Um misto de vanguarda brasileira com pop rock estrangeiro. Muitas músicas que marcaram essa época cantamos ainda hoje, inconscientemente, embaladas por um ritmo diferente. Também houve manifestação do movimento nas artes plásticas e no teatro, como na peça teatral “Roda Viva”, com Marília Pêra. A atriz, que era a protagonista, foi presa porque a obra era um protesto contra a situação do país.
Após quase duas décadas de derramamento de sangue, a mobilização da sociedade, de pessoas civis e de artistas, que resultou no movimento conhecido como “Diretas Já”, que exigia eleições diretas para Presidente, não era mais possível sustentar uma ditadura. Então, uma nova Constituição foi criada, à luz da Democracia.
Zuenir Ventura, assim como outros autores, costuma dizer que o ano de 1968 não acabou. Porém, os jovens de hoje não têm a mesma consciência política e muito menos aquela ânsia de revolução que movia aquela geração. Ela se perdeu grande parte pela transição de sistema político. Com a democracia e conseqüentemente o fim das repressões, podemos gritar aos quatro ventos nosso pensamento. Ninguém será condenado por causa disso. A própria imprensa, com todos os seus avanços tecnológicos, não permitiria. Então, perdeu-se a necessidade de “morrer em favor da causa”. Perdeu-se o brilho, o espírito político e revolucionário. Os estudantes de hoje acostumaram-se a engolir calados tudo que lhes é embutido ouvidos adentro. A Constituição mudou, deu maiores poderes ao cidadão, mas problemas políticos e outros meios de censura existem e não são fortemente combatidos pela sociedade e principalmente pelos estudantes, que deveriam ser os grandes motivadores das mudanças do país. Somos preguiçosos, raramente saímos às ruas em luta pelos nossos ideais. Falta à nossa geração, heróis como antigamente.

Igual sardinha




Em busca de melhores condições de vida, migrantes aglomeram-se no plano-piloto

Brasília é a cidade do Distrito Federal com maior número de moradias improvisadas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na época da construção da cidade, muitas pessoas de todos os cantos do país foram atraídos em busca de oportunidade de emprego. Incentivos do governo como entrega de lotes e vagas de emprego, facilitavam com que o migrante pudesse morar no plano-piloto. Atualmente, com o valor alto dos aluguéis, a opção do novo migrante é concentrar-se nas cidades-satélites, ou morar em quitinetes no plano-piloto.

Com a grande procura, os proprietários fazem das salas comerciais residência, transformando as avenidas W3 Norte e Sul em grandes aglomerados de gente, como podemos perceber pelos varais à mostra nas varandas. Somente em um bloco na Asa Norte, são mais de 32 quitinetes. Em cada uma moram cerca de três a quatro inquilinos, afirma o administrador dos imóveis, Arnaldo Pereira.

Os migrantes que preferem vir para o plano-piloto, normalmente optam por um menor conforto, principalmente no que diz respeito a espaço, em prol da proximidade do emprego, da escola e das oportunidades. Além disso, o custo da passagem para as cidades-satélites e a precariedade do serviço de transporte público, são outros fatores.

As pessoas convivem com a falta de espaço, como é o caso da família de Ângela Gomes, que saiu do Piauí em busca de melhores condições de vida para seus filhos. Inicialmente, Ângela foi morar no Núcleo Bandeirante, depois, ela e suas irmãs, Maria e Flávia, decidiram mudar-se para o plano-piloto e dividir o aluguel. Para poder pagar o custo de vida alto do plano piloto, Ângela desdobra-se com o trabalho de massagista e as tarefas de mãe e dona de casa. Flávia trabalha como manicure e Maria divide-se entre estágio, o trabalho no salão de beleza e a faculdade. A família teve que se adaptar com aos menos de 35 m², mas não reclama: “Aqui tem a facilidade de ficar mais próximo de tudo. Do emprego, da escola do meu filho e da faculdade da minha irmã”, afirma Ângela. Quem reclama apenas é Bismark, filho de Ângela, por causa da falta de espaço para brincar.

Também há muitas pessoas que trabalham o dia todo e optam por kit’s no subsolo. Como normalmente essas pessoas só voltam para casa para dormir, a falta de conforto, já que não há ventilação apropriada, não incomoda tanto. Luciano de Souza, 32 anos, mora em uma kit no subsolo, na Asa Norte. Na “cidade subterrânea”, como brincam os colegas, pois no mesmo bloco há mais nove quitinetes no subsolo, algumas com banheiro coletivo. Ele saiu de Ipujuca (PE), e veio para Brasília em busca de emprego. Luciano mora a dois anos na cidade e é sócio em uma loja de móveis, logo acima de sua quitinete.

No caso de estudantes, as opções mais baratas são as repúblicas ou vagas em casas de família. Esses lugares são ambientes familiares e os candidatos à vaga passam anteriormente por uma entrevista com o dono da casa ou da república.
A quadra 714 Sul, próxima à Unip, é uma das campeãs: em apenas uma rua, há uma república e quatro casas que alugam vagas para estudantes.

Rafael Borges saiu da cidade de Unaí (MG) e chegou a Brasília a quatro meses, em busca de trabalho. Ele conseguiu emprego em uma editora, mas inicialmente pagava muito caro morando sozinho em uma quitinete. Então, Rafael optou por uma das vaga em casa de família, oferecidas no jornal. Rafael diz que é muito bom ter encontrado a vaga onde mora atualmente, pois a dona da casa, uma senhora, o trata como um filho. Ele afirma que já morou com mais dois amigos em uma kit no subsolo, “Como homem é mais desleixado com a limpeza, a bagunça era grande. Agora estou no paraíso”.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Aprendizado dentro do hospital



Aulas ajudam na recuperação da saúde de crianças internadas

O projeto Classe Hospitalar, implantado pelo Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial, obriga todos os hospitais a terem profissionais de educação. O objetivo do projeto é fazer com que as crianças que estão internadas nos hospitais não se atrasem nos estudos.
No Hospital Universitário de Brasília (HUB), alunos de pedagogia da Universidade de Brasília (UnB) e de faculdades particulares cumprem estágio obrigatório, duas a três vezes por semana, acompanhando as crianças. Além disso, o hospital recebe alunos de psicologia, enfermagem e nutrição e voluntários.
Diariamente, o HUB conta também com as pedagogas Renata Oliveira e Adelina Droesher. Mais do que educadoras, elas assumem um pouco o papel de mãe das crianças, pois se envolvem e fazem de tudo para amenizar o sofrimento e ajudar na recuperação dos pequenos pacientes. Adelina é pedagoga da pediatria cirúrgica e orientadora educacional na área de educação especial. Renata é pedagoga da pediatria clínica.
O hospital atende pacientes de 0 a 16 anos, mas há pacientes que cresceram internadas, como crianças que têm câncer ou osteogênesis imperfecta (ossos de vidro). Nestes casos, eles permanecem lá até os 18 anos e alguns já estão até mesmo casados. Segundo Renata, o primeiro passo é avaliar a disposição do paciente. Quando a criança está muito debilitada são utilizados jogos pedagógicos, como o banco imobiliário, em que a criança aprende a fazer continhas, jogo da memória e de regiões do Brasil. Isto é, mesmo sem perceber, a criança aprende brincando.
Além das aulas de recuperação escolar, também há recreação, computador, festinhas e o projeto História Viva em Hospital. Através de livros que prendem a atenção com desenhos em auto-relevo e outros artifícios, as crianças interajem e se distraem, esquecendo da doença, afirma Renata. A maior parte dos brinquedos e livros são doados por voluntários, recrutados pelas pedagogas. A decoração dos quartos, que são pintados de rosa ou azul com faixas de bichinhos foi pago com dinheiro do bolso das profissionais.
As dificuldades encontradas são o ambiente, pois as aulas são ministradas em uma sala que serve também para consultas e como refeitório. Outra dificuldade é que algumas escolas não mandam o dever de casa e o conteúdo que a criança deveria estar estudando, principalmente os de 5ª a 8ª séries. Ao contrário dos professores de 1ª a 4ª série, que fazem visitas aos alunos internos e trazem cartinhas dos colegas de turma.
O sonho das pedagogas é o término do Instituto Pediátrico, que está sendo construído dentro do hospital. O instituto vai contar com sala de aula, refeitório, brinquedoteca e consultório. Isso facilitará a rotina de horários, além de trazer maior conforto.

Espaço na Asa Norte combina gastronomia e arte

No café tudo está à venda, de esculturas a azulejos

Inaugurado em agosto de 2006, o “Arte Café”, localizado na 116 Norte, traz algo inovador. O café combina gastronomia e galeria, composta por obras da escultora Deise Pedreira, dona do Café, e de artistas de várias partes do país, principalmente norte e nordeste. No local tudo está à venda, de esculturas a cadeiras, mesas, cinzeiros, luminárias, armários, espelhos e azulejos.

Deise Pedreira vem de uma família de artistas, seu pai é escultor e tem uma galeria em Salvador, sua mãe é artista plástica e seu irmão também é escultor, e, inclusive, trabalha no café. Tudo impressiona: a decoração, as esculturas e a iluminação que cria um ambiente aconchegante, efeito das velas em cada mesa e das várias luminárias espalhadas pelo local, sob paredes de papel marchê.

Além disso, o café oferece música ao vivo, de quinta a domingo. O repertório é composto principalmente de blues, jazz e música popular brasileira. Os músicos normalmente são da Academia de Música e o couvert é acessível: R$6,00. O último Festival Mix de Brasília foi encerrado no local, com a presença de artistas que expuseram suas obras. E para os amantes de poesia, o bar promove sarau. O próximo está previsto para abril.

A especialidade da casa são as panquecas, que custam de R$9,90 a R$ 16,80 a de bacalhau. Outro forte da casa é a brusqueta: quatro fatias de filão de sêmula, um pão, recheados ao forno e que custa de R$11,30 a R$13,80. Para os amantes da cerveja, a longneck varia de R$2,90 a R$ 4,00. Também há camarão, bacalhau e a porção de carne de sol com mandioca, um dos pratos mais requisitados ao preço de R$15;20, para duas pessoas. O cardápio também é criativo, composto de poesias como: “Era-nos oferecido um creme de chocolate, inspiração e atenção pessoal de Francisca, fugaz e livre como uma obra de circunstância onde ela pusera todo o seu talento” (Marcel Proust).
“O lugar está cada vez menor para tantos freqüentadores, por isso estou com um projeto de inaugurar mais um café na Asa Sul, porém, ainda não há data prevista”, afirma Deise Pedrosa.

Cérebro brasiliense na neurociência


Sidarta Ribeiro, que ganhou projeção no exterior, hoje é um dos mais reconhecidos cientistas do mundo

O neurologista Sidarta Ribeiro, 35 anos, voltou ao Brasil após experiência de cinco anos em um dos mais importantes laboratórios do mundo, o “Nicolelis Lab", do Departamento de Neurobiologia da Universidade de Duke, em Durham (EUA), para dirigir o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS).

Formado em biologia na Universidade de Brasília (UnB), com mestrado em biofísica na
Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em neurobiologia cognitiva molecular pela Universidade Rockefeller, na Carolina do Norte (EUA), ele afirma que o Brasil tem muito que crescer na área de neurociência.
Sua paixão pela neurociência surgiu no final do curso de Biologia, na UnB. Ele afirma que a experiência na UnB foi maravilhosa: “Me deu régua e compasso”. Lá, realizou suas primeiras pesquisas sobre mente e memória, mapeando regiões de cérebros de pássaros ativadas por cantos.

O Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN-ELS) foi inaugurado oficialmente no dia 23 de fevereiro, mas opera em regime experimental desde o início de 2006. O instituto nasceu da vontade de três cientistas brasileiros expatriados: Sidarta Ribeiro, Miguel Nicolelis e Cláudio Mello. Os pesquisadores tinham um sonho em comum: fazer com que a neurociência ganhasse espaço e, ainda, passasse a fomentar o desenvolvimento social de regiões carentes do país onde nasceram. O IINN-ELS realiza uma ação conjunta entre desenvolvimento tecnológico e social. A começar pela localização do instituto, que foge do eixo Rio - São Paulo.

O sonho começou a transformar-se em realidade com a inauguração do primeiro pólo de neurociência, em Natal. Através dele, jovens e crianças tomam gosto pela neurociência. O projeto-piloto começou em janeiro de 2006 com a educação científica de 150 crianças, na pequena Macaíba, e agora está sendo iniciado um projeto com 250 crianças em Natal e outras 300 em Macaíba. A localização do segundo pólo está projetada para localizar-se no estado do Piauí, e outros devem ser criados em regiões carentes do norte, nordeste e centro-oeste, disse o pesquisador.

O cientista afirma que está sendo desenvolvida, no centro de pesquisas, a biocompatibilidade de eletrodos. Eles são implantados em cérebros de ratos e é verificado quais tipos de eletrodos causam menos problemas. A resposta inflamatória foi menor do que a prevista. Essa descoberta possibilita movimentar próteses, por exemplo.

Outra pesquisa importante é a da relação da memória com o sono. Segundo Sidarta, a memória fica guardada no nosso cérebro, e é ativada enquanto dormimos. Enquanto estamos acordados, muitas coisas competem com nossa memória, por isso as lembranças vêem melhor à nossa mente durante o sono. Essa pesquisa pode contribuir no avanço contra doenças neurológicas.

Sidarta conta que a experiência no instituto tem sido fantástica e ao mesmo tempo difícil, mas vale a pena. O instituto vem colhendo frutos e pode-se perceber uma mudança comportamental positiva nas crianças que participam da iniciação científica. Quem sabe são estas crianças a futura geração de cientistas do Brasil? Sidarta Ribeiro acredita que sim.

O rádio como veículo de massa

Em 1895, o cientista Guglielmo Marconi descobriu que ondas de Hertz poderiam transmitir mensagens. Talvez ele não imaginasse na época, que sua invenção se tornaria um dos maiores veículos de comunicação de massa: o rádio. Orson Welles provou a capacidade de influência desse veículo, ainda na década de 30, ao fazer com que milhões de pessoas ficassem desesperadas para sair dos Estados Unidos achando que extraterrestres estavam invadindo a terra. Na verdade, tratava-se de uma peça teatral, intitulada “A guerra dos mundos”.
Welles escolheu um dia atípico para colocar no ar sua peça teatral. Era 30 de outubro de 1931 e o mundo aguardava a notícia se o país iria entrar em guerra ou não. Além disso, no dia 30 de outubro os americanos comemoram o halloween. Para que o ouvinte não imaginasse ser uma obra de ficção, falsas notícias interrompiam a programação normal da rádio Columbia Broadcasting System (CBS), até que fosse transmitida em tempo integral.
Trinta e três anos depois, em São Luís (MA), o locutor Sérgio Brito resolveu imitar a façanha de Welles. Até mesmo o dia e o mês escolhidos foram iguais. O contexto da época (1971), também era de instabilidade política, pois o país vivia a ditadura militar. A versão maranhense da peça exagerou ainda mais: a invasão alienígena estava ocorrendo em vários países, anunciando o fim dos tempos. Na época, os roteiros dos programas deviam passar primeiro pela polícia federal, que liberou para que este fosse colocado no ar. Esse cuidado porém, não evitou que a rádio fosse fechada. A penalidade não foi maior porque a equipe da rádio apresentou uma falsa edição que continha o seguinte spot: “Ficção científica baseada em Orson Welles”.
No primeiro caso, Welles confessou, anos mais tarde, que o programa não teria ido ao ar de forma inocente. Em entrevista à BBC, ele declarou: “O mundo lhes parecia ser alimentado por tudo que sai daquela caixa mágica. A transmissão era um assalto à credibilidade daquela máquina e um alerta para que as pessoas deixassem de se orientar por opiniões pré-formatadas, viessem elas do rádio ou não”. No caso da rádio difusora o programa serviu para testar a audiência do rádio, que vinha perdendo público para a televisão.
Nos dois exemplos, ficou provada a eficiência do rádio. Ele é um veículo de fácil acesso, pois é barato. A maior parte da população tem condições de comprar, nem que seja, um radinho de pilha. Muitas cidades pequenas não possuem um jornal impresso ou um programa de televisão local, mas possuem uma rádio comunitária. Ele também é o veículo que maior interage com o público final, pois dá espaço para que o ouvinte participe, ao vivo.

O preço de uma verdade

Nós, como estudantes de jornalismo, devemos compreender o importante papel que nosso trabalho irá ter na sociedade. A imprensa, ou o “quarto poder”, como definem algumas teorias, é uma poderosa ferramenta na construção de opiniões. E, como conseqüência, nas tranformações sociais. Ela pode provocar impeachments, causar revoluções ou até mesmo resultar em guerras. Portanto, deve ser utilizada seguindo a responsabilidade ética. O verdadeiro jornalismo é baseado na verdade, na apuração dos fatos, na imparcialidade e na amostra dos dois lados da notícia. A credibilidade do jornalista deve estar sempre acima de suspeitas.
O filme “O preço de uma verdade”, baseado em uma história real, nos mostra claramente o que não devemos fazer no jornalismo. Conta a história de um jovem que sonhava ser jornalista, trabalhar em grandes veículos de comunicação, ser conhecido e admirado. E conseguiu. Stephen Glass se transformou em um conceituado jornalista da revista The New Republic. Glass escrevia artigos sobre coisas cotidianas, fatos curiosos e engraçados sobre os quais as pessoas se interessam. Era um rapaz cordial, que gostava de agradar os colegas e adquiriu a admiração de todos. Os artigos de Glass eram sempre os melhores, o que despertava até mesmo ciúmes em seu ambiente de trabalho. A apresentação de suas pautas era sempre feita de uma forma dinâmica e que prendia a atenção. Por isso, outros jornalistas sentiam-se constrangidos por não conseguir superá-las. Um dos seus mais famosos artigos, o “Paraísos dos Hackers”, contava a história de um hacker adolescente que descobriu como entrar no sistema de uma grande empresa. A empresa, sentindo-se intimidada, contratou e aceitou todas as exigências do invasor.
A carreira de Glass ia muito bem, até ser desmascarado por Alan Penemberg, um jornalista da revista Forbes. Ele descobriu que o artigo fora inventado. Glass ainda tentou inventar uma empresa, criando um falso site. Também pediu para seu irmão se passar pelo suposto hacker pelo telefone, para tentar encobrir a mentira. Após várias contradições, o editor-chefe da The New Republic, Chuck Lane, decidiu investigar todos os 47 artigos escritos por Glass. Descobriu que havia mais textos que não eram verdadeiros. Glass confessou que 21 dos artigos escritos por ele eram pura ficção. A revista publicou uma nota se desculpando pelo caso e demitiu Glass. Hoje, dificilmente algum veículo de comunicação o contrataria.
Glass dizia que o jornalismo é a arte de captar o comportamento das pessoas, porém, esqueceu de analisar o seu próprio comportamento.

Ética e responsabilidade social

O bom jornalismo é baseado na ética e na responsabilidade social. O jornalista deve ter consciência do seu papel na sociedade, como formador de opinião. Por isso, deve ser o mais claro, objetivo e imparcial possível. Sabemos que, atualmente, essa tarefa encontra muitos obstáculos. Após a revolução industrial, o avanço da tecnologia proporcionou um ambiente para que o jornal fosse distribuído em larga escala. O jornal tornou-se uma empresa, voltada ao lucro. Empresários e políticos passaram a enxergar nele uma janela para seus interesses.
A revista “Veja” freqüentemente é questionada por causa de matérias suspeitas, manipulação de declarações de fontes e a visível “marketinização” de suas notícias. Com a desculpa da liberdade de imprensa, ataca todos que sejam contra os seus interesses, assassinando reputações. Aceita, sem questionar, dossiês preparados por lobistas. O publicitário Eduardo Fisher, que fez a campanha da Schincariol, aquela do “experimenta, experimenta”, utilizou-a como arma contra a guerra dos empresários, donos de cervejarias. A revista fez ataques gratuitos e sem fundamento contra as empresas concorrentes.
Outro exemplo de falta de ética ocorreu durante o debate eleitoral entre Luíz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, em 1989. A Rede Globo de Televisão, que transimitia o debate, deixou claro seu posicionamento político, ao dar mais espaço para que Collor falasse e cortando algumas falas de Lula. Então, nos perguntamos: Qual será o futuro do jornalismo? Será que precisaremos de um meio que fiscalize o próprio trabalho da imprensa de fiscalizar as irregularidades? Talvez seja necessário um quinto poder...