sexta-feira, 13 de junho de 2008

“O amor a minha querida UnB eu quero declarar. Eu ajudei a construir a universidade”.

Líder de movimentos estudantis da UnB na década de 60, José Prates fala sobre sua atuação na Feub e o pensamento dos jovens da época

Por ser a capital do país, centro da tomada de decisões e de manifestações artísticas, culturais e políticas, Brasília é o cenário perfeito de intelectuais. Por isso, vários deles migraram para a cidade na década de 60, após a construção da Universidade de Brasília (UnB), que representava um modelo avançado de organização universitária para a época.
Porém, durante a Ditadura Militar, instalou-se na universidade um modelo imposto pelos militares no poder, que substitui muitos professores por pessoas não qualificadas para ministrar aulas. Esse fato motivou, inicialmente, o protesto de movimentos estudantis que, logo após, perceberam que o que estava ocorrendo era algo muito mais grave, de proporção nacional. Era o golpe militar de 1964.
Nesse contexto, surgiram alguns heróis, líderes de movimentos estudantis que defendiam uma causa, e, se fosse preciso, morreriam por ela. Um exemplo desses jovens da época que fizeram história é José Antônio Prates. O atual prefeito do município de Salinas (MG), preso por duas vezes durante o regime militar e por várias vezes torturado, foi líder de movimentos estudantis na UnB, integrante da Organização Política Operária (Polop) e presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB). Em uma visita à Brasília, José Prates recebeu, com muita simpatia, essa estudante que vos escreve, para uma entrevista.

O que era a Polop?
A Polop era uma organização de vanguarda, baseada na tese de Rosa Luxemburgo. Isto é, teses marxistas-leninistas.

Onde os estudantes se reuniam?
Nos reuníamos livremente em sala de aula, depois do horário letivo, ou na sala de professores que eram simpatizantes ou militantes das correntes. Após o Ato Institucional n º 5, a comunicação era feita através de aparelhos clandestinos.

Como surgiram os movimentos estudantis da UnB?
Em um primeiro momento, os movimentos surgiram para defender a universidade, que para nós era um modelo revolucionário. Como estava sendo implantado o modelo da ditadura, muitos professores foram substituídos por professores que não exerciam a profissão, ou que nem eram professores de verdade. Eram burocratas ou empregados de ministérios, alguns relacionados aos militares da época. Com isso, a qualidade do ensino caiu nitidamente.
No curso dos acontecimentos, as pessoas foram tomando consciência de que tinha uma coisa muito mais grave acontecendo com o Brasil todo. Aí éramos recrutados e procurávamos as lideranças das universidades, quase todas agregadas em partidos políticos, até para sobreviver politicamente. A partir disso, se formou um movimento mais amplo contra a ditadura e pela redemocratização do país. O engajamento de muitos nós em correntes políticas, quase todos com afinidade pela tese marxista-leninista com suas variações independentes.

Quem foram os heróis da época?
O movimento estudantil como um todo, e o povo. Mas tivemos os mártires. Entre eles, Paulo de Tarso Celestino e Honestino Guimarães, que, embora não tenham morrido, sofreram na prisão e no exílio. Dois grandes amigos, companheiros de luta. Embora tivéssemos divergências, pois haviam várias organizações que competiam pelo controle do movimento de massa, na hora do enfrentamento da Ditadura, nos uníamos. Paulo de Tarso foi um grande dirigente de massas, pelo partido comunista brasileiro. Honestino era da ação popular e, mais tarde, de uma organização afirmativa-leninista. Eles formaram uma corrente muito significativa.

Conte um pouco sobre o movimento “Queremos formação e não formatura”
Foi o maior movimento que teve dentro da UnB, onde liderei o fechamento do Instituto de Ciências e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Era um protesto contra o modelo que havia sido implantado, que era o da ditadura, com seus professores. Claro que a gente aumentava um pouco também, a realidade era construída tanto da verdade quanto da nossa imaginação. Queríamos a saída de todos os professores, e que os substitutos fossem escolhidos por nós. A ex miss Brasil da época, Marta Vasconcellos, representou-me no Encontro Nacional da faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Eneau), pois eu me encontrava preso. Eu era o presidente, a Marta Vasconcellos era uma das delegadas ao encontro,ela também fazia arquitetura na UnB. Aliás, a Marta era a parte romântica da história. Dona de uma beleza estonteante e muito simples, desfilava em seu jeep, deixando todos os homens admirados. Quando a polícia invadiu a universidade, ela chorou muito. Até aquele momento o Brasil sofria uma repressão tolerável do ponto de vista físico, não era aquela repressão cruel, que foi a partir do AI-5.

Porque a Faculdade de arquitetura foi a mais perseguida?
Porque eles entendiam que ali estava o núcleo mais forte da resistência, os órgãos de segurança e de inteligência da repressão. Havia um grande movimento de massa, o que tornava o confronto muito maior do que se fosse apenas contra o movimento clandestino de lideranças que controlavam os aparelhos.

Fale um pouco da experiência da prisão.
A tortura é um instrumento de desfazimento psicológico, para obrigar a pessoa a falar coisas que fez ou que não fez, entregar nomes, planos, lugares. Em geral a gente não entregava. Quando a Dilma Roussef respondeu ao Agripino que diante da tortura não há verdade, ela expressou o sentimento de todos nós naquela época. O mais importante que a gente tinha que fazer era resistir o máximo possível para salvar a vida dos companheiros.
Buscava encontrar alguma coisa para fazer na prisão, para não enlouquecer. Até mesmo brincar de adivinhar o sexo do mosquito que passava. Quando era submetido a tortura corporal, imaginava que aquilo não destrói o mais importante: sua essência, sua alma, sua causa.

O senhor viu algum companheiro ser assassinado?
Não. Vi muitos sumirem. Mesmo depois de terminado o processo investigativo, os militares ainda torturavam. Em Juiz de Fora havia o que se chamava de Festa, a última sessão de pancadaria. Um militar dava um tapa no rosto, outro chutava, fazia xixi na pessoa. Mas não posso dizer que só houve isso dentro da prisão, houve momentos em que fui bem tratado. Um professor aposentado da UnB, que é deputado federal hoje, foi tomar meu depoimento sobre o artigo 477, que perseguia as lideranças. Só faltava o meu depoimento e respondi que o meu iria ficar faltando. Quando ele saiu, o coronel do quartel em que eu estava preso me disse que não concordava com o que nós (militantes contra a ditadura) fazíamos, mas que admirava minha coragem e não concordava com um professor fazer aquele papel, que deveria ser apenas da polícia. O professor cometeu um papel de policialismo que não é digno de uma pessoa universitária.

Algum militar que tentou apoiar a causa?
A corrente do general Albuquerque Lima, que foi quem criou o Integrar para não entregar, um dos animadores do projeto Rondon, tinha seus aliados. Muitas vezes recebi a visita de um capitão, que confessava não ser comunista, mas naquele momento toparia uma aliança de forças que eram nacionalistas, democráticas ou anti-imperialistas. Isso houve muito. Mas, não sei por preconceito, autenticidade ou pureza, nunca aceitamos. Embora pudesse ser correto.

Quais lembranças o senhor tem sobre a passeata na avenida W3 após a morte de Edson Luís?
Eu ajudei a fazer a passeata. Foi muito bonita e deu-se até o cinema da Asa Sul. As únicas pessoas que falaram foi Mário Covas, que era deputado, Honestino e eu. Durante o protesto, soltei: Vocês são fortes, tem armas. Mas se são tão fortes, porque não abrem as urnas? Fui muito criticado por isso. As pessoas falavam que não era período de eleições, que o protesto era para derrubar a ditadura. Mas eu tinha uma maneira própria de pensar, e coloquei que seria importante abrir as urnas, porque todo espaço que desse para a gente reconquistar a redemocratização, tinha que ser ampliado e apoiado.
Quando foi decretado o AI-5 estávamos fazendo campanha pelo boicote ao vestibular. Conseguimos fazê-lo durante 14 dias. Os estudantes não faziam as inscrições.

Como o senhor avalia a imprensa local da época?
A imprensa era extremamente censurada, mas toda brecha que tinha, era dado como certo que haveria notícia. Mas aí a repressão fechava por um tempo o jornal, prendia os jornalistas. Ari Cunha é um jornalista que defendeu a liberdade democrática. Quando o embaixador americano foi visitar a universidade, estendi uma faixa: Ianc, fora do Vietnã. Essa atitude fez recandescer o movimento estudantil, que estava meio morno. Nesse dia, levaram mais de 300 pessoas presas. Um jornalista da TV Brasília filmou e exibiu, com autorização de Ari Cunha. Além disso, ele escreveu em sua coluna um protesto contra a brutalidade, e pressionou para a nossa saída da prisão. Mas aquilo foi antes do AI-5, dois anos depois aquilo seria absolutamente improvável.

O professor Roman Blanc era considerado um espião. O que o senhor tem a dizer?
Dizem que sim. A gente deu um prazo para ele ir embora, e, finalizado, o tiramos de lá.
Várias vezes dávamos prazos para a pessoa ir embora. Às vezes éramos injustos, pois na época era muito difícil distinguir.
A juventude tem nas mãos a bandeira da libertação, mas não pode astiá-la sozinha. Temos nas mãos um ideal, uma causa, e não uma arma. No meu período de exílio vi muita injustiça praticada entre os jovens. Grande parte porque a gente não soube cuidar, se expôs muito cedo.

A ocupação da UnB em abril desse ano relembrou os “anos de ouro”?
Cada época tem sua identidade. Estou solidário com as lutas da juventude, mesmo quando eles erram. Quem é que não erra? Se os estudantes ocuparam a sede da UnB, posso fazer restrições a um constrangimento ao ser humano, mas quanto a legitimidade da necessidade daquele ato não vou contestar. O importante é que hoje levantemos a bandeira da democracia, para que ela exista verdadeiramente no Brasil. Para que ela abra espaço para uma pluralidade de opiniões, e que a vida prevaleça. Como nós estamos em um regime democrático imperfeito, que essa liberdade não possa ser confundida com propriedade, por exemplo, de um meio de comunicação, para constranger sem a possibilidade de defesa. Quando você é torturado e humilhado, é uma covardia muito grande. Mas a mesma covardia é de um meio de comunicação, que ataca uma pessoa ou fala uma coisa que ela não cometeu, e não dá a oportunidade dela explicar. Vira um linchamento, e isso é inaceitável. Como não podemos aceitar que pessoas se filiem à determinada organização, não podemos aceitar que os donos dos jornais imponham sua opinião aos jornalistas. Agora temos que ampliar e fortalecer o espaço democrático.

Um comentário:

disse...

Excelente materia.. muito boa mesmo.. completissima!! parabénssss!!!